Como amenizar as perdas de solo em grandes eventos de precipitação - PET Agronomia

Como amenizar as perdas de solo em grandes eventos de precipitação - PET Agronomia

Data: 12 de maio de 2025

Como amenizar as perdas de solo em grandes eventos de precipitação

Em 2024 a força da natureza expôs mais uma vez a fragilidade do atual sistema de produção agrícola aos eventos extremos do clima. A enxurrada e as enchentes no Rio Grande do Sul não apenas destruíram as plantações, mas também impactaram severamente os solos da região pela erosão hídrica. A destruição dos solos, seja pela perda ou pela deposição de areia e cascalho, deixou campos completamente devastados. A camada superficial do solo, rica em nutrientes e matéria orgânica, foi perdida em muitos locais, comprometendo a longo prazo a produção de alimentos e a renda dos agricultores. Diante desse cenário, surge um questionamento importante a respeito dos solos atingidos. Quais técnicas de manejo agrícola poderiam atenuar o escoamento superficial em áreas declivosas para reduzir os processos erosivos em grandes eventos de chuva?

Esse processo é provocado inicialmente pelo impacto da gota de chuva no solo, que sem a cobertura vegetal, ocasiona a desagregação das partículas e o selamento superficial, reduzindo diretamente a infiltração de água e aumentando o escoamento superficial. Entretanto, além da chuva, o escoamento superficial também é um agente muito eficaz em causar erosão. Mesmo em condições de elevada cobertura vegetal, o escoamento é capaz de remover a palha e causar erosão severa. Isso acontece especialmente durante os eventos de chuva de alta magnitude, como aqueles observados em abril e maio de 2024.

O desenvolvimento do Sistema de Plantio Direto (SPD), introduzido no Brasil há cerca de 50 anos, trouxe muitos benefícios no controle da erosão, mas a persistência de problemas como a perda de água e solo levanta a questão: o SPD, por si só, é suficiente para os novos padrões climáticos que estamos enfrentando? Infelizmente, os resultados de pesquisa (Deuschle et al., 2016) indicam claramente que não. Além dos 3 princípios estabelecidos: i) cobertura permanente do solo, ii) rotação de culturas e iii) mínimo revolvimento do solo, há necessidade de um quarto elemento que é: iv) o controle do volume e velocidade de escoamento superficial. Infelizmente são raras as propriedades agrícolas que perseguem todos esses princípios conservacionistas, sendo o mais comum apenas a semeadura direta com mínimo revolvimento do solo. Boa parte das áreas permanecem com uma quantidade de palha insuficiente e em alguns períodos do ano sem plantas cultivadas. O incremento da matéria orgânica, a maximização da infiltração e o controle do escoamento não recebem a devida atenção. O impacto dessas medidas vai muito além da propriedade rural, sendo necessário, portanto, o planejamento das práticas conservacionistas na escala de bacia hidrográfica.

Ao adotar essas práticas em uma escala mais ampla, é possível controlar o escoamento superficial, aumentar a infiltração de água no solo e reduzir o assoreamento dos rios e córregos. A bacia hidrográfica engloba a bacia vertente (encostas), a planície aluvial e o canal fluvial. No planejamento do uso do solo na escala de bacia é necessário considerar a influência de todos os componentes que constituem a paisagem como, por exemplo, os diferentes usos agrícolas, as áreas urbanas, as estradas, as florestas, as áreas úmidas e os rios. As práticas de controle do escoamento fazem parte do que entendemos como manejo da água na propriedade. Elas têm como objetivo melhor aproveitar o excesso de precipitação que gera o escoamento superficial para maximizar a produtividade devido à maior disponibilidade de água no solo e, consequentemente, o maior abastecimento das nascentes, córregos e açudes. Como resultado, essas práticas também atuarão na conservação do solo, controlando a erosão.

O manejo da água é um conjunto de práticas definido segundo as características do relevo, solo, uso e infraestrutura disponível na propriedade. Estas práticas são escolhidas e planejadas para cada local da propriedade. Dentre elas podemos destacar o cultivo em nível, culturas em faixas, faixas de retenção (biofiltros), terraços em nível, terraços em gradiente, bacias de detenção, bacias de retenção, canais escoadouros, realocação de estradas, preservação de áreas hidrologicamente frágeis, dentre outras.
De forma simplificada, o cultivo em nível consiste em dispor as linhas de plantio no sentido perpendicular à inclinação do terreno, através do uso de curvas de nível e linhas em contorno. Essa prática pode ser efetiva, isoladamente, até declividade máxima do solo de até 3%. O cultivo em faixas consiste no cultivo alternado de culturas em faixas, as quais são demarcadas em nível, ou com pequeno desnível no terreno, no sentido perpendicular à declividade (Figura 1). Esta estratégia é indicada para áreas com declive de até 6%.


Figura 1: Representação esquemática das faixas de retenção, intercaladas às faixas de culturas (A. Doneda, 2009).

O terraceamento é uma técnica composta por um canal e um camalhão, sendo construídas perpendicularmente ao sentido da declividade do terreno. Através disso, o comprimento do declive é seccionado, diminuindo a ação da enxurrada. Os canais escoadouros são utilizados para drenar a água proveniente dos sistemas de terraços, sendo implementados em áreas mais resistentes à erosão, como pastagens, matas ou depressões naturais (Figura 2). Os canais divergentes são tipos de terraços, com dimensões maiores e que têm como objetivo desviar e interceptar as águas advindas de uma área situada acima dele mesmo (Ceretta; Aita, 2007). Entretanto, o uso dessas práticas, isoladamente, não controla todos os processos erosivos, sendo necessário associá-las com outras práticas conservacionistas.

Figura 2: Representação esquemática de um sistema de terraços (A. Doneda, 2007).

Dessa forma, diante do cenário atual em que os desastres climáticos são cada vez mais frequentes, é necessário um novo olhar para o sistema de produção agrícola. Não será fácil recuperar o equilíbrio físico, químico e biológico dos solos impactados. Entretanto, o aprimoramento da agricultura conservacionista, com foco no manejo da água e no controle do escoamento superficial, é fundamental para garantir a produtividade, proteger o solo e os recursos hídricos, e construir um sistema agrícola mais resiliente e sustentável.

Daniéle Gonçalves Papalia
Acadêmica do 8° semestre de Agronomia
Integrante do grupo PET Agronomia
Integrante do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Erosão e Hidrologia de Superfície (GIPEHS)
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)

Referências citadas:
DEUSCHLE, Dinis. Controle do escoamento superficial e das perdas de solo em sistema plantio direto na escala de lavoura. Ufsm.br, [s. l.], 2016. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/handle/1/11726. Acesso em: 22 set. 2024.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS CURSO DE GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA EM AGRICULTURA FAMILIAR E SUSTENTABILIDADE A DISTÂNCIA MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO 5o SEMESTRE. [S. l.: s. n.], [s. d.]. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/16180/Curso_Agric-Famil Sustent_Manejo-Conservacao-Solo.pdf.

Referências consultadas:
No 01 MAIO DE 2024 IMPACTOS DAS CHUVAS E CHEIAS EXTREMAS NO RIO GRANDE DO SUL EM MAIO DE 2024. [S. l.: s. n.], [s. d.]. Disponível em: https://estado.rs.gov.br/upload/arquivos/202406/relatorio-sisperdas-evento-enchentes-em-maio-2024.pdf

MAIS DE 206 MIL PROPRIEDADES RURAIS FORAM AFETADAS PELAS ENCHENTES NO RS. [S. l.], 2024. Disponível em: https://www.agricultura.rs.gov.br/mais-de-206-mil-propriedades-rurais-foram-afetadas-pelas-enchentes-no-rs

NOTA TÉCNICA. [S. l.: s. n.], [s. d.]. Disponível em: https://brasil.mapbiomas.org/wp-content/uploads/sites/4/2024/06/NT_Evento_climatico_extremo_RS_maio_2024_Final.pptx.pdf

FERNANDO, Marcos; RACHWAL, Gluck. O SOLO. [S. l.: s. n.], [s. d.]. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/33887041.pdf

OLIVEIRA, Bruna. Enchente levou camada fértil dos solos, e recuperação vai exigir adaptação produtiva | GZH. [S. l.], 2024. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/campo-e-lavoura/noticia/2024/06/enchente-levou-camada-fertil-dos-solos-e-recuperacao-vai-exigir-adaptacao-produtiva-clx3lifb601cv015da8s1lwer.html.

SCHEMBERGUE, Altamir et al. Sistemas Agroflorestais como Estratégia de Adaptação aos Desafios das Mudanças Climáticas no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, [s. l.], v. 55, n. 1, p. 9–30, 2017.

OLIVEIRA, Tatiane; WOLSKI, Mario. IMPORTÂNCIA DA RESERVA LEGAL PARA A PRESERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE Importance of a Legal Reserve to the Preservation of Biodiversity. [s. l.], v. 8, p. 40–52, 2012.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS RURAIS CURSO DE GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA EM AGRICULTURA FAMILIAR E SUSTENTABILIDADE A DISTÂNCIA PLANEJAMENTO PAISAGÍSTICO AMBIENTAL 6o SEMESTRE. [S. L.: s. N.], [s. D.].

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